Stephen Hawking, Deus e realidades paralelas

Terminei de ler há pouco tempo The Grand Design, de Leonard Mlodinow e Stephen Hawking, e estou mais ou menos no meio de The Hidden Reality, de Brian  Greene (o defensor e popularizador da Teoria das Cordas, que ficou famoso no Brasil por O Universo Elegante).

O livro da dupla Hawking-Mlodinow causou furor ao ser lançado no ano passado, por conta do alto perfil de mídia atingido pelas declarações de Hawking sobre a não-necessidade de um criador divino para o Universo.

Confesso que, na época, a repercussão me surpreendeu: a ideia de que a ciência física "não requer essa hipótese" (i.e., um criador consciente) para dar conta do Universo está por aí desde os tempos de Napoleão Bonaparte, e nunca chegou a ser seriamente desafiada pelas teorias físicas que se seguiram desde então.

O que ocorreu, durante o século XX, foi um acúmulo de insinuações de que talvez, quem sabe, a hipótese não fosse tão desnecessária assim.

(Parêntese: muitos cientistas e filósofos da ciência costumam dizer que o mandado da ciência é definido pela busca de causas naturais para os fenômenos naturais e que, portanto, quer Deus exista ou não, ele está, por definição, fora do escopo do método científico. Não concordo muito com isso: suponha, por exemplo, que a ciência tivesse sido definida como a busca de causas terrestres para fenômenos terrestres. Cedo ou tarde os cientistas -- confrontados com coisas como a luz do Sol ou meteoritos -- seriam forçados a rever essa definição, e ampliá-la, reconhecendo causas celestes para fenômenos terrestres. O fato de que nenhuma revisão do esquema "causas naturais para fenômenos naturais" ter sido necessária até hoje me parece significativo. Fecha parêntese.)



 Tentativas indiretas de contrabandear uma intencionalidade divina para o seio da física começaram com a teoria do Big Bang (proposta, incidentalmente, por um padre jesuíta, Georges Lemaître) e tiveram continuidade  com questionamentos sobre o estado do Universo em sua origem (Roger Penrose já escreveu que o estado altamente ordenado do Big Bang parece ter sido cuidadosamente selecionado) e, finalmente, pelo chamado Princípio Antrópico Forte (PAF), segundo o qual é apenas graças a um finíssimo ajuste nas leis da natureza que a vida humana é possível.

(Pessoalmente, sempre que ouço um físico invocar o PAF, tenho ganas de gritar: Não é o Universo que é ajustado para nós, nós é que somos ajustados para ele, estúpido!)

Menos do que uma afronta às religiões, o livro de Hawking é uma resposta ao misticismo difuso de alguns de seus colegas físicos -- não consigo deixar de imaginar, de fato, que seja uma resposta direta a Penrose, com quem Hawking já colaborou no passado para desenvolver uma teoria de buracos negros.

A solução de Hawking é tratar o Universo inteiro como um sistema quântico, no qual todas as histórias possíveis são realizadas -- o exemplo dado é o do experimento da fenda dupla, no qual uma única partícula parece percorrer várias trajetórias diferentes ao mesmo tempo. Se o Universo vive todas as histórias possíveis -- ou, se existem infinitos Universos, cada um com sua história peculiar --, então o que antes parecia altamente improvável (a ocorrência de um Big Bang, a forma exata das leis da natureza, etc.) torna-se comezinho.

O que nos traz ao livro de Greene que é sobre, exatamente, Universos paralelos. Este eu ainda não terminei, mas o argumento geral, até agora, é o de que a existência de realidades alternativas e outros Universos é uma consequência lógica natural dos melhores modelos cosmológicos disponíveis, como a Teoria Inflacionária (que descreve o que ocorreu logo após o Big Bang) e a expansão acelerada dos cosmo.

Livro por livro, o de Greene está me parecendo melhor. O de Hawking é muito superficial (se bem que sou suspeito para falar, já que sou o tipo de cara que gosta de equações em livros de divulgação científica), com tentativas de humor um tanto quanto atrozes ("A Lua não é feita de queijo Roquefort. Má notícia para os ratos"). Greene vai mais a fundo e é mais estimulante. Mas minha sugestão é de que se leiam os dois.




Comentários

  1. Carlos:

    Uma dúvida que tenho a respeito da criação dos universos paralelos. Na Física sempre temos a conservação de alguma coisa: Seja energia, seja momento angular, carga elétrica, número de estranheza, etc. No caso da criação dos universos paralelos isso não deveria se aplicar?
    E a energia para gerar um universo paralelo? Um ato tão trivial quanto observar se um gato dentro de uma caixa com elemento radioativo está morto ou não já seria o suficiente para realizar algo tão poderoso?

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  2. Oi, Rafael! Sua pergunta pressupõe a existência de um universo "original", a partir do qual outros são criados. A imagem que Hawking tenta passar é a de um multiverso geral, no qual todas as partículas percorrem todas as rotas possíveis (incluindo a que mata e a que não mata o gato), mas do qual só conseguimos ver uma versão acabada, aquela onde estamos. Então, na verdade, não é criação de universos, e sim uma divergência de trajetórias, com algumas histórias desviando-se para longe de nós.

    Já os universos paralelos cosmológicos (em oposição aos quânticos) seriam criados por oscilações do inflaton, o campo responsável pela inflação após o Big Bang. Esses universos existiriam no interior de bolhas de baixo inflaton, e separados por vastas regiões de inflaton alto, como furos num queijo suíço.

    E há ainda as terras paralelas que surgem quando se considera que o nosso universo é infinito no espaço... Bom, o melhor é pegar o livro do Greene.

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  3. Sobre o Principio Antropico: quando um fisico (e nao um biologo) diz que o Universo parace bem adaptado a nos, o "nos" da frase significa formas de vida baseadas em carbono. Nao se trata de adaptacao no sentido evolutivo. O Universo pode ser considerado singularmente favoravel ao carbono, que e' singularmente favoravel aa combinacao em cadeias etc. A resposta adequada ao principio antropico e' o efeito de selecao: so em um Universo favoravel aos observadores poderia haver quem se perguntasse sobre isso...

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