Publicidade no jornalismo impresso: o rabo que abana o cachorro
Um dia depois da série de tragédias causada pelas fortes chuvas em São Paulo, os dois principais jornais do Estado chegam para os assinantes com uma capa de... 1861. Uma propaganda de página inteira, reproduzindo uma edição bicentenária sesquicentenária do Jornal do Commercio.
O belo trabalho das equipes de primeira página dos dois veículos ficou escondido pela peça publicitária. O próprio propósito jornalístico da capa de um jornal -- convidar à leitura, organizar hierarquicamente os fatos do dia anterior, emocionar -- é neutralizado pela artimanha.
Tá, óquei. Mesmo este blog está cheio de anúncios, na vã esperança de que parte do investimento de tempo e conhecimento feito possa ser recuperado. Publicidade é importante, é o comercial que paga o leite das criancinhas, etc, etc. Certo?
Apenas numa perspectiva míope. Em última instância, o que paga o leite das criancinhas é a qualidade do conteúdo, a credibilidade e a tradição do veículo -- que são os fatores que atraem leitores, que por sua vez são os fatores que fazem anunciar neste ou naquele jornal valer a pena.
Ninguém compra jornal pra ver anúncio, exceto no caso muito específico dos classificados. Em última instância, é o chamado conteúdo editorial (notícias, artigos, análises) que escora publicidade, e não o contrário.
Isso tudo é bê-a-bá de primeiro ano de faculdade de Jornalismo, aliás. Isso tudo é o que se ouve da boca dos chefes de redação, aliás. Porém, eis aí a capa de 1861. Hellooooo?
A inversão, na prática, da hierarquia entre notícia e publicidade pode gerar grandes ganhos de curto prazo, mas esses ganhos são, no fim, pagos em moeda moral: cada vez que isso acontece, o jornal passa a ser levado um pouco menos a sério. É, para ficar numa analogia histórico-machista, o mesmo problema da "mulher fácil" dos anos 50: depois que todo mundo percebe que dá pra passar a mão, ninguém mais quer casar com ela.
O que aconteceu nesta manhã pós-enchente, com os principais jornais deste Estado, foi um exemplo daquilo que em inglês se chama wag the dog, o rabo abanando o cachorro, a publicidade subjugando o jornalismo. Se alguém com poder de decisão nas empresas jornalísticas não se encher logo de brios, ainda veremos um anúncio colorido de pasta de dente no lugar do Ex-Libris que marca o editorial principal do Estadão.
Quem viver, verá.
O belo trabalho das equipes de primeira página dos dois veículos ficou escondido pela peça publicitária. O próprio propósito jornalístico da capa de um jornal -- convidar à leitura, organizar hierarquicamente os fatos do dia anterior, emocionar -- é neutralizado pela artimanha.
Tá, óquei. Mesmo este blog está cheio de anúncios, na vã esperança de que parte do investimento de tempo e conhecimento feito possa ser recuperado. Publicidade é importante, é o comercial que paga o leite das criancinhas, etc, etc. Certo?
Apenas numa perspectiva míope. Em última instância, o que paga o leite das criancinhas é a qualidade do conteúdo, a credibilidade e a tradição do veículo -- que são os fatores que atraem leitores, que por sua vez são os fatores que fazem anunciar neste ou naquele jornal valer a pena.
Ninguém compra jornal pra ver anúncio, exceto no caso muito específico dos classificados. Em última instância, é o chamado conteúdo editorial (notícias, artigos, análises) que escora publicidade, e não o contrário.
Isso tudo é bê-a-bá de primeiro ano de faculdade de Jornalismo, aliás. Isso tudo é o que se ouve da boca dos chefes de redação, aliás. Porém, eis aí a capa de 1861. Hellooooo?
A inversão, na prática, da hierarquia entre notícia e publicidade pode gerar grandes ganhos de curto prazo, mas esses ganhos são, no fim, pagos em moeda moral: cada vez que isso acontece, o jornal passa a ser levado um pouco menos a sério. É, para ficar numa analogia histórico-machista, o mesmo problema da "mulher fácil" dos anos 50: depois que todo mundo percebe que dá pra passar a mão, ninguém mais quer casar com ela.
O que aconteceu nesta manhã pós-enchente, com os principais jornais deste Estado, foi um exemplo daquilo que em inglês se chama wag the dog, o rabo abanando o cachorro, a publicidade subjugando o jornalismo. Se alguém com poder de decisão nas empresas jornalísticas não se encher logo de brios, ainda veremos um anúncio colorido de pasta de dente no lugar do Ex-Libris que marca o editorial principal do Estadão.
Quem viver, verá.
Parabéns ao JC, mas francamente...
ResponderExcluirO pior é que ano sim, e outro também, as desculpas esfarrapadas dos governantes -- de todos os partidos -- continuam as mesmas: "ah, as chuvas foram mais intensas que o previsto! Não houve como nos preparamos para isso!". Ora, desde sempre que se sabe que chove forte no começo do ano no Sudeste. Não há desculpa que cole.
-Daniel Bezerra
1. Será que essa capa só circulou na cidade de São Paulo? Minha edição tem uma capa normal.
ResponderExcluir2. Daniel... beleza, tem toda razão. Mas o que isso tem a ver com o texto do Carlos Orsi?
Oi, Marcelo! Olha, não sei dizer qual a abrangêcia geográfica do anúncio... Tanto a minha FSP quanto o meu Estadão vieram com a sobrecapa publicitária, e eu moro no interior do Estado. É uma celebração dos 150 anos de um banco (cujo nome não declinarei, só de raiva... ;-))
ResponderExcluir@Marcelo,
ResponderExcluirNada e tudo :-)
É que eu estava realmente aborrecido com o que o Alckmin declarou ontem sobre as chuvas -- que é o que governantes de todos os partidos dizem todo ano.
Estou só aguardando para ouvir a mesma desculpa do Cabral nos próximos dias :-/